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Jorge Martins

Processo do Padre António Vieira

Atualizado: 30 de mar. de 2020



António Vieira (1608-1697), padre Jesuíta, pregador muito admirado no seu tempo, foi uma figura maior do nosso século XVII, pioneiro do tolerantismo em Portugal, defensor dos índios e dos judeus, pugnou pela reforma dos métodos de atuação da Inquisição, tendo produzido vários escritos a favor dos cristãos-novos. Na sequência do seu escrito “Esperanças de Portugal” (1659), foi preso nos cárceres da Inquisição a 1 de outubro 1665 – num processo muito volumoso de 3418 páginas – e ouviria ler, durante duas horas e um quarto, a sua sentença de privação de voz ativa e passiva e de pregação, em 23 de dezembro de 1667. Acabaria, no entanto, por partir para Roma a 15 de agosto de 1669, prosseguindo os seus esforços, junto da Santa Sé, a favor dos cristãos-novos.


O motivo da prisão do Padre António Vieira

“Por haver notícia que nessa cidade anda um papel que tem por título Esperanças de Portugal e que do Maranhão o mandara o Padre António Vieira da Companhia de Jesus ao Padre André Fernandes Bispo nomeado do Japão; os Inquisidores o chamem à Mesa e lhe peçam o dito papel original dizendo-lhe que convém ver-se, e que não tendo cousa que o impeça lho mandará restituir. Lisboa 13 de Abril de 1660.” (Processo do Padre António Vieira, ANTT, Inquisição de Lisboa, nº 1664)


“Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo”

“Resumindo pois tudo a um silogismo fundamental, digo assim: o Bandarra é verdadeiro profeta; o Bandarra profetizou que El-rei D. João o quarto há-de obrar outras muitas cousas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando; logo El-rei D. João o quarto há-de ressuscitar. – Estas três proposições somente provarei, e me parece que bastarão para a maior clareza que V. S.ª deseja.” (Carta enviada por António Vieira, do Brasil, ao padre André Fernandes, bispo do Japão, 29 de abril de 1659)


As referências ao judaísmo no processo

Foram 104, no dizer da própria Inquisição, as suas “proposições heréticas” censuradas pelos inquisidores. Obviamente, teve de se desdizer para se ver livre dos cárceres da Inquisição de Coimbra. Sem dúvida que as “Esperanças de Portugal” foram o motivo da sua prisão, mas o seu processo tem duas outras vertentes não menos importantes: as Trovas do Bandarra e a proteção aos judeus. As Trovas do Bandarra percorrem todo o processo, tal como as acusações, não de judaísmo, mas de defesa de ideias favoráveis aos cristãos-novos e contra os procedimentos da Inquisição. A sentença contem 39 menções á palavra judeus e outras 17 alusivas (cristãos-novos, tribos de Israel, Israel, israelitas, nação hebreia, povo hebreu, hebreus, povo judaico), 10 menções a judaísmo, 5 a Rabino(s), 5 a erros judaicos, 4 à Lei de Moisés (Judaica ou Velha), 2 a sinagoga, 3 a judaizantes, 1 a glória judaica e 1 a sentido judaico. Em suma, há um total de 87 menções à religião judaica na sentença. Por ser pouco conhecida e nada reconhecida, transcrevemos excertos da sentença de António Vieira referentes a acusações a opiniões suas favoráveis aos judeus e ao judaísmo:


“(…) de certo tempo a esta parte dissera em presença de algumas pessoas, que para neste Reino se conhecerem (entre os da nação dos cristãos-novos baptizados) quais eram os verdadeiros católicos e quais os judeus, se lhes poderia conceder algum lugar ou lugares dele, em que tivessem liberdade de consciência; e depois de reduzidos ao dito lugar ou lugares e conhecidos por este modo quais eram judeus e quais católicos, se tomaria resolução se convinha expulsar do reino os que fossem judeus ou conservá-los nele; mas que isto dissera quando o permitisse a Consciência e o aprovasse a Sé Apostólica.

(…) as mesmas Trovas [do Bandarra] são suspeitas de judaísmo.

(…) E sendo o réu no mesmo tempo novamente denunciado no Santo Ofício, de haver dito em presença de algumas pessoas:

Que convinha ao bem deste Reino declararem-se nas Inquisições dele os nomes dos denunciantes e testemunhas ou, como vulgarmente se diz, darem-se abertas e publicadas aos Cristãos-Novos presos pelo crime de judaísmo, e que acerca disso fizera vários papéis que dera a S. M., procurando persuadir-lhe ser o que mais convinha;

Que assim como neste Reino, havendo muitas pessoas que esperavam a vinda de El-rei D. Sebastião, e S. M., sabendo disso, se não sentia delas nem fazia caso disto, assim também, se os Cristãos-Novos continuassem as igrejas sem fazerem nem dizerem cousa alguma contra a nossa Santa Fé, se lhes não devia fazer caso de que eles tivessem o abuso de esperarem pelo Messias;

Que, para a conservação deste Reino, era necessário admitirem nele judeus públicos, por serem os que conservam o comércio, de que procediam as forças do mesmo Reino; e que enquanto neste, em tempo de certo rei, se permitiram os tais judeus, fora ele muito mais opulento em riquezas e em poder, como agora são a república de Holanda e outras, onde os próprios judeus se passaram, depois de serem expulsos de Portugal;

Que não havia dúvidas que os Inquisidores faziam no Santo Ofício aos cristãos judeus;

(…) Foram quase todas as sobreditas proposições notadas: umas de suspeitas de judaísmo, por introduzir o réu alguns dogmas rabinos e esperanças e erros judaicos; e outras temerárias, escandalosas, erróneas, sapientes haeresim, e ainda dignas de mais rigorosa censura, e muito ocasionadas a com elas se poderem enganar e perverter os fiéis menos doutos, principalmente os da nação hebreia, que tanto o réu procura favorecer nos seus escritos.

(…) depois de se lhe haver dito e declarado na Mesa do Santo Ofício, antes e depois de sua reclusão, que pelo mesmo haviam antigamente sido mandadas proibir, em razão da suspeita do judaísmo, de que sempre foram notadas pelas pessoas mais doutas e timoratas, o não quis fazer.

(…) Mandam que o réu, Padre António Vieira, ouça sua sentença na sala do Santo Ofício, na forma costumada, perante os Inquisidores e mais ministros e oficiais, algumas pessoas religiosas, e outras eclesiásticas do corpo da Universidade, e seja privado para sempre de voz activa e passiva, e do poder de pregar, e recluso no Colégio ou Casa de sua religião, que o Santo Ofício lhe assinar, de onde sem ordem sua não sairá; e que por termo por ele assinado se obrigue a não tratar mais das proposições de que foi arguido no discurso da sua causa, nem de palavra nem por escrito, sob pena de ser rigorosamente castigado; e que, depois de assim publicada a sentença, o seja outra vez no seu Colégio desta cidade por um dos notários do Santo Ofício, em presença de toda a comunidade; e que de maior condenação, que por sua culpa merecia, o relevam, havendo respeito às sobreditas desistências, retractação e vários protestos que tinha feito de estar pela censura e determinação do Santo Ofício, depois que nele se vissem a explicação e inteligência que ia dando a todas as suas proposições, de que se lhe tinha feito cargo, e ao muito tempo de sua reclusão, e outras considerações que no caso se tiveram. E pague as custas.” (Processo do Padre António Vieira, ANTT, Inquisição de Lisboa, nº 1664)

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