CAPÍTULO XX.
De como el Rei mandou tomar os filhos aos Judeus, que se iam fora do Reino, & por que causa não fez o mesmo aos mouros.
(1ª parte)
Muitos dos Judeus naturais do Reino, & dos que entraram de Castela tomaram a água do baptismo, & os que se não quiseram converter começaram logo a negociar as cousas que lhes convinham para sua embarcação, no qual tempo el Rei por causas que o a isto moveram ordenou, que em um dia certo lhes tomassem a estes os filhos, & filhas de idade de XIIII anos para baixo, & se distribuíssem pelas vilas, & lugares do Reino, onde à sua própria custa mandava que os criassem, & doutrinassem na Fé de Nosso Salvador Jesus Cristo, & isto concluiu el Rei com seu conselho estando em Estremoz, & dali se veio a Évora no começo da Quaresma do ano de MCCCCXCVII, onde declarou, que o dia assinado fosse dia de Pascoela, & porque nos do conselho não houve tanto segredo, que se não soubesse o que acerca disto estava ordenado, & o dia em que havia de ser, foi necessário mandar el Rei, que esta execução se fizesse logo por todo o Reino, antes que por modos, & meios que estes Judeus poderiam ter, mandassem escondidamente os filhos fora dele, a qual obra não tão somente de grão terror, misturado com muitas lágrimas, dor, & tristeza aos Judeus, mas ainda de muito espanto, & admiração aos Cristãos, porque nenhuma criatura pode padecer, nem sofrer apartar de si forçadamente seus filhos, & nos alheios por natural comunicação sente quase o mesmo, principalmente as racionais, porque com estas comunicou natureza os efeitos de sua lei mais liberalmente do que o fez com as brutas irracionais, a qual lei forçou muitos Cristãos velhos moverem-se tanto a piedade, & misericórdia dos bramidos, choros, & prantos, que faziam os pais, & mães a quem forçadamente tomavam os filhos, que eles mesmos os escondiam em suas casas por lhos não virem arrebatar dentre as mãos, & os salvavam, com saberem que nisso faziam contra a lei, & premática [pragmática] de seu Rei, & Senhor, & aos mesmos Judeus fez usar tanta crueza esta mesma lei natural que muitos deles mataram os filhos, afogando-os, & lançando-os em poços, & rios, & por outros modos, querendo antes vê-los acabar desta maneira, que não apartá-los de si, sem esperança de os nunca mais verem, & pela mesma razão muitos deles se matavam a si mesmos (…)”
(Crónica do Felicíssimo Rei D. Emanuel, da gloriosa memória, Damião de Góis, Lisboa: Oficina De Miguel Manescal da Costa, 1749, pp.18-19)
Quanta crueldade meu Deus, sofreu o nosso Povo, porém um dia a verdade vem a tona, obrigado professor por partilhar seu conhecimento ✡🇵🇹