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O que foi

A introdução da Inquisição em Portugal

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A Inquisição foi uma instituição católica introduzida em Portugal em 23 de maio de 1536 através da bula “Cum ad nihil magis”, do papa Paulo III, a pedido de D. João III e através de suborno da Santa Sé por este rei, depois da tentativa falhada de 17 de dezembro de 1531. Tal como se lê no preâmbulo da bula instituidora, eram diversas as “heresias” abrangidas – luteranismo, islamismo, feitiçaria –, mas a primeira e decisiva era o judaísmo: “alguns convertidos da infidelidade hebraica à fé cristã, chamados cristãos novos, voltando ao rito judaico que haviam abandonado, e outros que nunca professaram a seita hebraica, mas nasceram de pais já cristão, observando aqueles ritos judaicos”. Na verdade, os ditos cristãos-novos eram os judeus convertidos à força por D. Manuel I em 1497, depois do seu édito de expulsão dos judeus e mouros do ano anterior, assim como os seus descendentes que tinham a obrigatoriedade de ser batizados para poderem permanecer no reino. Forçados à indesejada conversão católica, os judeus passaram a ser perseguidos e condenados pela Inquisição, por manterem secretamente a sua fé ancestral, acusados de terem voltado ao “rito judaico”.

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Os tribunais da Inquisição

A Inquisição – ou “Santo Ofício”, como ela própria se autointitulava – estabeleceu quatro tribunais que funcionaram regularmente em Portugal continental e na Índia: Évora (1536), Lisboa (1539), Coimbra (1541) e Goa (1560). Cada um deles recebia os réus de uma determinada área administrativa. Basicamente, o de Lisboa, além da sua área continental, recebia os do Brasil e de África, e o de Goa, os do Oriente. Também funcionaram esporadicamente tribunais no Porto (1541), Lamego (1541) e Tomar (1542). Não foi pacífica para a Santa Sé a ação inquisitorial nos primeiros tempos. Em consequência, em 1544, devido aos excessos dos inquisidores, o papa suspendeu as sentenças da Inquisição e, em 1546, prorrogou a proibição de confisco de bens pelo tempo de um ano. A Inquisição de Coimbra só começou a funcionar em pleno em 1565. Entre 1674 e 1681, ocorreu nova intervenção papal para interromper o funcionamento dos vários tribunais.

 

A censura

Para impedir que circulassem entre nós as novas ideias humanistas do Renascimento (literárias, científicas, culturais, religiosas), consideradas perigosas e heréticas, foram censurados os livros de alguns autores, como Gil Vicente, o “pai” do teatro português. Simultaneamente, foram editados índices de livros proibidos, entre os quais os de autores judeus, nos anos de 1547, 1551, 1561, 1564, 1581, 1624. Obviamente, embora esta tenha sido uma área da intervenção inquisitorial que condicionou o progresso do país, não deixámos de ter excelentes representantes do que de melhor existia no domínio da literatura, da ciência, da filosofia, da matemática, da medicina, ainda que muitos deles se tenham exilado no estrangeiro ou condenados em Portugal. Basta recordar  alguns nomes de cristãos-novos e cristãos-velhos como Abraão Zacuto, Luís de Camões, Gil Vicente, Damião de Góis, Pedro Nunes, Garcia de Orta, António Vieira, António José da Silva, Amato Lusitano, Bento Espinosa.

 

Os perdões gerais

Para mitigar a fúria antijudaica dos inquisidores, o papa publicou bulas ou breves em 1535, 1547 e 1604, concedendo perdão as todos os cristãos-novos que persistiam na prática judaica, obrigando os tribunais da Inquisição portuguesa a libertar todos os presos acusados de judaísmo. A esses perdões gerais estava associado o pagamento, pelos cristãos-novos, de uma finta, um imposto especial. Na verdade, esses perdões não obstaram a que os criptojudeus continuassem a celebrar algumas das cerimónias principais da “Lei de Moisés”, designadamente não trabalhar ao sábado e fazer jejuns como o do Dia Grande (Quipur). Com efeito, proibiram-se os judeus livres, mas a Inquisição não conseguiu extinguir o judaísmo em Portugal, mesmo que limitado e desconhecedor de muitos dos seus preceitos, devido à não autorização da existência de sinagogas livres e de rabinos.

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As visitações

 

A Inquisição fez visitações ou visitas a várias terras do continente, dos arquipélagos atlânticos e das ex-colónias, particularmente ao Brasil. Tratava-se do périplo de um inquisidor por várias terras de uma região, que chegava a durar anos. Entrando em cada uma delas, o inquisidor publicava o “édito da fé”, que determinava as “heresias” a confessar ou denunciar, em que se prometia o perdão a quem confessasse as suas “culpas”, mandava afixar um “édito da graça”, que estabelecia o prazo para as confissões voluntárias (num máximo de 30 dias), instalava-se normalmente na igreja matriz local e convocava a população. Na verdade, a visitação tinha o objetivo de recolher informação para mandar prender sobretudo suspeitos de judaísmo, o que se pode constatar pelo número de prisões que se fizeram a seguir a essas incursões inquisitoriais. Das visitações que se fizeram, destacamos a do inquisidor Marcos Teixeira, entre 1575 e 1579, aos Açores e diversas localidades do continente, designadamente Belmonte, Castelo Branco, Guarda, Portalegre, Castelo de Vide, muitas das quais viriam a ser revisitadas em 1618; e a do inquisidor Heitor Furtado de Mendonça ao Brasil  em 1591-159. Outras visitações: Cabo Verde (1581), Trás-os-Montes (1583), Madeira (1591), Cochim (1591), Ormuz (1595), Angola (1596).

 

A estrutura inquisitorial

 

No topo desta poderosa instituição, que António José Saraiva qualificou de “estado dentro estado”, estava o Inquisidor-geral, que liderava o Conselho Geral, o órgão máximo, constituído pelos inquisidores mais destacados. Competia ao Conselho Geral decidir sobre os casos mais graves, designadamente o dos condenados à morte, ordenar as visitações, desfazer dúvidas. Seguiam-se os inquisidores, recrutados de preferência entre clérigos e homens de letras, obrigatoriamente cristãos-velhos, “sem raça de mouro ou judeu”. Competia aos inquisidores emitir mandados de prisão, interrogar os presos, determinar as sentenças. Abaixo dos inquisidores estavam os deputados, que ambicionavam ascender a inquisidores. Também participavam na votação das sentenças. O promotor do Santo Ofício era o advogado de acusação. O notário escrevia as atas dos interrogatórios e participava nas sessões dos presos com os seus advogados de defesa, que eram da confiança da Inquisição. Os qualificadores eram clérigos e homens de letras, que avaliavam a natureza e qualidade das heresias quando suscitavam dúvidas aos inquisidores. Os comissários, escolhidos entre clérigos de ordens religiosas, eram os delegados da Inquisição nas várias terras do reino. Os familiares eram os olhos e ouvidos dos comissários nessas terras, vigiando pessoas, denunciando-as e levando-as presas quando determinadas pela mesa da Inquisição. Também havia o tesoureiro, o alcaide da prisão, que era o responsável máximo dos cárceres, médico, cirurgião, meirinho (oficial de justiça), guardas, porteiro, barbeiro, parteira, enfim, todos as funções necessárias ao funcionamento da máquina inquisitorial.

 

A extinção da Inquisição

 

A extinção da Inquisição foi o corolário das críticas e das propostas de várias personalidades (ver Vozes contra a intolerância) que se opuseram aos seus excessos ou mesmo à sua existência, de que destacamos o Padre António Vieira que, em consequência das suas propostas tolerantes, acabaria por ser também preso pelo tribunal da Inquisição de Coimbra. Conhecedor e atento a essas novas ideias surgidas nos séculos XVII e XVIII, o Marquês de Pombal promoveu uma série de diplomas legais no reinado de D. José I, o mais importante dos quais foi a Carta de Lei de 25 de maio de 1773, que pôs fim á distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. A partir daí, não mais houve condenações por judaísmo. Finalmente, as Cortes Constituintes, o primeiro Parlamento, resultante da Revolução Liberal de 1820, extinguiram a Inquisição no dia 31 de março de 1821.

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