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O Dia da Memória das Vítimas da Inquisição

e o nosso propósito

 

O Dia da Memória das Vítimas da Inquisição foi finalmente aprovado pelo plenário da Assembleia da República, por unanimidade, no dia 6 de março de 2020: Projeto de resolução nº 81/XIV/1ª.

(https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44123)

Contudo, não se trata da petição por nós anteriormente apresentada e aprovada, por unanimidade, pela Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, em 4 de dezembro de 2018: Petição Nº 491/XIII/3.

(https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.aspx?BID=13175

O projeto de resolução aprovado foi apresentado por 15 deputados do Grupo Parlamentar do PS e deu entrada na Assembleia da República no dia 19 de novembro de 2019, foi admitido e baixou à Comissão de Cultura e Comunicação dois dias depois, a 21 de novembro, para discussão. Discutido a 3 de março de 2020 na referida comissão parlamentar, em que o PSD colocou reservas e o CDS declarou não fazer sentido a criação desse dia, o projeto foi enviado ao Presidente da Assembleia da República no dia seguinte e aprovado em plenário da AR por todos os partidos, estando ausente o deputado único do Chega.

Saudamos inequivocamente a criação oficial do Dia da Memória das Vítimas da Inquisição, mas não podemos deixar de fazer alguns reparos ao processo. Na verdade, havia uma petição aprovada por unanimidade pela comissão parlamentar de então (incluindo o PSD e o CDS), que foi substituída pelo projeto de um partido, o que nos parece contraproducente e ao qual nos vemos forçados a fazer alguns comentários.

A petição, de que fomos o autor, foi subscrita por mais de 600 pessoas, antes e não depois de ter dado entrada na AR, ao contrário do que afirma o projeto agora aprovado. O que aconteceu foi que a petição deu entrada em nome desses 600 subscritores sem qualquer pressuposto religioso, partidário ou ideológico, mas não cumpria a obrigatoriedade de constarem os seus números de cartão de cidadão, pelo que teve de ser apresentada em nome do primeiro subscritor e autor da petição. O processo foi aliás muito moroso, obrigando à nossa pressão, pois tinham passado sete ou oito meses de inércia, estando inexplicavelmente parado. Com efeito, a petição deu entrada na AR no dia 17 de março de 2018, baixou à comissão parlamentar no dia 23 desse mês e foi admitida no dia seguinte, onde foi discutida e aprovada no dia 4 de dezembro do mesmo ano e enviada ao Presidente da Assembleia da República no dia seguinte.

Ademais, é imperioso fazer algumas observações ao projeto ora aprovado, para além do facto de se ter tornado numa indesejada iniciativa partidária, pois trata-se de um desiderato nacional, que deve ser assumido pelo Estado e por toda a Nação:

  1. Não se deve confundir a Inquisição Medieval – que Portugal não teve e não foi criada expressamente contra os judeus – com a Inquisição Moderna, que foi criada pela Igreja Católica (por bula papal), a pedido do Estado português, expressamente para perseguir os judeus forçados a converter-se ao catolicismo (os cristãos-novos) a partir de 1497, e que foram efetivamente a esmagadora maioria das vítimas em Portugal;

  2. A data de criação da Inquisição, em 23 de maio de 1536, foi a proposta pela petição como Dia da Memória das Vítimas da Inquisição, mas foi prontamente apoiada pelo seu autor a intenção da comissão parlamentar de optar pela data da sua extinção – em 31 de março de 1821, pelo Parlamento Liberal –, até por se estar a tratar do assunto no Parlamento, seu atual sucessor, apesar de muitos judeus terem ficado desapontados com essa alteração;

  3. Não faz sentido falar em reconciliação para a criação do Dia da Memória das Vítimas da Inquisição. Não se trata de uma reconciliação, mas de um resgate da memória de vítimas inocentes. A reconciliação pode ser feita entre as atuais comunidades religiosas em questão (o que saudamos), mas que não se faz retroativamente. O passado é História e não se pode alterar com eventuais boas-vontades contemporâneas. Pelo contrário, tem servido para branquear os erros do passado, em vez de se assumirem frontalmente. Justamente a Inquisição tem sido usada nesse sentido. Não se pode apagar a memória das vítimas, que não se podem reconciliar hoje com ninguém. Esquecê-las, é vitimá-las de novo.

  4. Finalmente, e mais importante de tudo, foi o facto de o projeto aprovado ter deixado cair o memorial, pois a petição propunha a criação do Dia da Memória e do Memorial às Vítimas da Inquisição. Recordá-las um dia por ano é ótimo, mas a criação de um memorial possibilitaria que fossem recordados todos os dias, para que não se apagasse a memória das vítimas da intolerância inquisitorial. Não se trata de cobrar hoje à Igreja Católica, nem ao Estado, a responsabilidade pelos erros do passado. Mas também não temos de pedir desculpa à Igreja e ao Estado para evocar e resgatar a memória de vítimas desse passado longínquo. Na verdade, trata-se de mostrar aos descendentes dos injustiçados em particular e à sociedade atual em geral, que os seus (nossos) antepassados não foram perseguidos, discriminados, despojados, desterrados e queimados em vão.

 

Assim, ao lançarmos este Memorial Virtual às Vítimas da Inquisição, não pretendemos substituir o indispensável memorial físico, antes queremos que contribua para a assunção da necessidade de o implementar. O dia 31 de março de 2021 – duplo centenário da extinção da Inquisição e da criação do Parlamento – constituiria uma data muito simbólica para o inaugurar sob os auspícios da Assembleia da República, associando-o às comemorações parlamentares evocativas dos seus 200 anos de existência. Outra possibilidade, seria a implementação de uma subscrição pública para a edificação desse memorial, frente ao Teatro Nacional D. Maria II, local onde funcionou o palácio dos Estaus, sede da Inquisição de Lisboa, como a petição sugeria, ou noutro em local igualmente simbólico e frequentado.

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