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Jorge Martins

D. Ventura Isabel, freira no Mosteiro de Odivelas

Ventura Isabel Dique de Sousa, nascida no Rio de Janeiro em 1688, era filha bastarda de João Dique de Sousa, um abastado senhor de engenho no Brasil e de D. Antónia Gouveia de Abreu. Naquela época era costume as pessoas abastadas enviarem as filhas para um convento, mediante o pagamento de um dote. Foi assim que D. Ventura veio para o Mosteiro de Odivelas, onde chegou a noviça em 20/7/1706 e freira em 13/5/1709, com 21 anos de idade. A “freirinha de Odivelas” teve a companhia de dez outras freiras suas familiares, entre as quais, sua mãe, meias-irmãs, tias e primas.

Seu pai, acusado de judaísmo, seria preso pela Inquisição em 1712, o que originou a denúncia de Ventura Isabel, que teria tido práticas judaicas antes de entrar no Mosteiro de Odivelas e, em consequência, seria levada para os cárceres do Palácio da Inquisição em 26 de Junho de 1713, foi interrogada duas vezes por dia e confessou de imediato que praticara o judaísmo no Brasil, mas que abjurara durante a viagem que a trouxe a Portugal. Foi-lhe sentenciado cárcere e hábito penitencial perpétuo, ou seja, foi condenada a regressar à vida conventual de que tanto gostava. Desfilaria no auto-de-fé de 9 de julho de 1713 (o maior do século XVIII), juntamente com dois meios-irmãos, Fernão Dique de Sousa e Diogo Duarte de Sousa, também condenados a cárcere e hábito perpétuo. Seu pai, teimou em manter-se “limpo por inteiro”, quer dizer, isento de qualquer prática judaizante, o que lhe evitou sair no auto-de-fé de 1713, mas, perante várias denúncias e submetido a tortura, acabaria garrotado e queimado no auto-de-fé de 14 de outubro de 1714, como réu negativo, por nunca ter admitido ser judeu.

O caso de D. Ventura não passaria de mais um entre tantos outros, em que padres e freiras caíam nas garras do Santo Ofício e eram exibidos em exuberantes e triunfais autos-de-fé, se as quatrocentas freiras do Mosteiro de Odivelas não se recusassem a recebê-la. Revoltaram-se, agrediram a abadessa e, após várias tentativas falhadas da Inquisição para a obrigar a regressar a Odivelas, 134 freiras saíram em manifestação em direção à Corte, para apresentar o seu protesto ao próprio rei. Percorridos cerca de 5 Km, foram intercetadas pela Condessa do Rio, que as convenceu a parar para descansar algumas horas no seu palácio. Como a chacota da insólita situação já grassava na capital e invadira a Corte, D. João V enviou a Cavalaria ao encontro das revoltadas, para as reconduzir à força a Odivelas, evitando maior falatório. Em resposta, as religiosas barricaram-se nos quartos do palácio da Condessa, recebendo a cavalaria real à pedrada. Então, os sargentos arrombaram as portas, entraram à força, aniquilaram a freirática resistência, levaram as contestatárias freiras para os coches reais e reconduziram-nas ao Mosteiro de Odivelas.

Vencidas, mas não convencidas, as intolerantes freiras bernardas ameaçaram matar a desventurada Ventura se as obrigassem a recebê-la no Mosteiro. A Inquisição desistiu desse intuito e determinou o seu envio para um convento, alegadamente para o Convento de S. Bento, em Évora. Nada mais se sabe sobre D. Ventura Isabel. Certamente, terá passado os restantes dias da sua vida no recato alentejano, a lamentar a sua atribulada rejeição no Mosteiro de Odivelas.

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