Capítulo XVIII
De como el-Rei mandou lançar os Mouros, e Judeus fora de seus Reinos, e Senhorios
(2ª parte)
“Este foi o parecer, & opinião dalguns do conselho, a que outros repugnaram dizendo, que bem era verdade o que diziam, mas que os Reis de França, Inglaterra, Escócia, Dinamarca, Noruega, & Suécia, com muitas outras províncias vizinhas a estas, & todo o Estado de Flandres, & Borgonha não lançaram os Judeus dentre si muitos anos havia sem para o fazerem terem boas causas, & de receber, & que o mesmo se devia cuidar dos Reis de Castela, o que abastaria para haverem de lançar esta nação fora do reino, quanto mais que não parecia bom conselho estando estes reinos cercados dos de Castela, & os de Castela dos de França, permitirem-se nele judeus, sendo lançados das terras de tais vizinhos & tão poderosos, os quais poderiam tomar a mal parecer-nos, que tínhamos melhor conselho em deixar viver esta gente entre nós, do que eles tiveram em os lançarem de si, o qual desgosto porventura teriam secreto, para quando vissem tempo oportuno abrirem as asas à tirania, & debaixo de cor de católicos, & cristianíssimos nos fazerem mal, & dano que pudessem, & sobretudo, o bom conselho era perder a saudade a todos os proveitos, & tributos que se desta gente tiravam, & pôr o intento em só Deus, & sua Santa Fé, porque ele dobraria com suas mercês o que se nisto perdesse, & que pois este negócio por sua vontade viera a se pôr em determinação de conselho, que a resoluta conclusão dele fosse lançarem logo do reino aqueles que não quisessem receber a água do baptismo, & crer o que crê a Igreja Católica Cristã. Na qual opinião, e parecer foi el-Rei, sem ter em conta como o que se nisto perdia, nem com as satisfações, que ficava obrigado fazer, como depois por inteiro fez. E logo se assinou tempo certo para a notificação deste negócio, o qual foi declarado, & publicado, estando el-Rei ainda em Muje, no mês de Dezembro de M.ccccxcvi, em uma pregação que sobre isto fez, & não tão somente se assentou no conselho que os judeus se fossem do reino, como suas mulheres, & filhos & bens, mas também os mouros pelo mesmo modo, para o que lhes el-Rei limitou logo a todos tempo certo, & nomeou portos seus de seus reinos para suas embarcações.”
(Crónica do Felicíssimo Rei D. Emanuel, da gloriosa memória, Damião de Góis, Lisboa: Oficina De Miguel Manescal da Costa, 1749, pp.17-18)
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